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Dánloth acordou lentamente, jogado sobre a poltrona coberta de peles de animais. Lembrava-se vagamente da noite anterior, e de que havia algo antes disso. Podia ouvir o vento que vinha de encontro à casa e ao rochedo sobre a qual ela repousava, e ao longe podia ouvir o barulho de água. Sentia um pouco de dor de cabeça, e seu corpo estava um pouco dormente, como se tivesse feito um enorme esforço ou se embriagado na noite anterior. Caminhou até a janela, e se deu conta – surpreso – de que havia um mundo lá fora.

Abaixo da varanda da casa, que se projetava para fora do rochedo, descortinava-se a encosta da grande montanha, cortada por três riachos que serpentavam até se encontrarem em uma cachoeira que podia ser apenas adivinhada além da névoa de água ao fim do encontro dos três riachos. Havia no curso dos três riachos algumas quedas d’água menores, algumas delas visíveis, outras apenas imagináveis por baixo da vegetação em desnível. Para além da encosta, ao fundo, descortinava-se um vale verde que desaguava no que parecia ser um mar distante. Aonde quer que Dánloth pousasse seu olhar, pareciam surgir mais e mais detalhes que ele não estava certo de que estavam ali no momento anterior.

Pássaros surgiram e começaram a cantar, e insetos começaram a zunir, e nuvens surgiam no céu e criavam uma dança de raios de sol sobre o vale. E então ele ouviu o canto que parecia se misturar com o som da água abaixo da varanda. Com um salto – e descobriu naquele momento que ainda sabia saltar – Dánloth pousou graciosamente em meio à vegetação muito verde logo abaixo da varanda. E sentiu o cheiro da terra, e das plantas, e a ressaca foi sendo lavada de sua alma pelos sons e cheiros da mata. Seus pés caminhavam movidos pela música que vinha de algum lugar logo abaixo de onde ele se encontrava, e a cada passo ele descobria flores e folhas de diferentes formatos, e tantos cheiros, e tantas cores.

Deteve-se à beira do riacho, no topo de uma queda d’água, e se perguntou se tudo aquilo havia sido sonhado por ele, ou se estaria sonhando tudo aquilo naquele momento. E então percebeu, ao ouvir o som da própria voz, que havia pensado alto.

– E tem mesmo alguma diferença?

Esta não era a sua voz. Havia outra pessoa ali, e neste exato momento percebou que o canto havia parado, e que esta poderia ser a mesma voz que antes cantava. Caminhou até uma das pedras que se precipitava à beira da queda d’água, e viu que alguns metros abaixo, à beira da pequena piscina natural formada pela água que saltitava entre várias pedras, havia uma jovem de pele clara como o caule do primeiro broto de uma árvore. Seu cabelo era da cor das folhas, e seus olhos eram escuros porém brilhantes, com a vida da madeira molhada pela chuva. Ela sorria.

Pensou em responder que não, talvez não houvesse diferença. Mas não se lembrava ao certo das palavras que usara, encantado que estava pela descoberta de que não estava mais sozinho ali. Limitou-se a balançar a cabeça, boquiaberto, sem palavras. A jovem sentada à beira da piscina natural balançou as pernas, como uma criança que brinca com a água, jogando respingos de água que brilhavam com as cores do arco-íris antes de voltar para a piscina, e respondeu:

– Então por que a pergunta?
– Eu não sei, acho que estou encantado por tudo isso ter surgido tão de repente. Tudo isso veio de mim?

A jovem olhou para ele como quem não entendesse ao certo a pergunta. Sorria de um jeito intrigado. Dánloth pensou em explicar para ela quem ele era, mas se percebeu incerto a respeito disso. Quem ele era? E ela parecia se divertir com sua perplexidade frente à situação.

– Tudo isso está aqui. Tudo isso é o que é, eu acho. Por que você acha que veio de você?
– Eu… eu era…

Dánloth fez um longo silêncio antes de continuar a frase. E durante este longo silêncio ele finalmente compreendeu que seu último ato de onipotência criadora havia sido não apenas mais sábio, mas também o mais libertador.

– …eu era um tolo que achava não sabia o que era ser o que era, e então agora eu virei um tolo que vai descobrir o que é ser o que é. Desculpe a confusão.
– Não fica aí pedindo desculpas. Venha! Mergulhe aqui que a água está gostosa, e depois você vai se sentir melhor.

E Dánloth pulou na água, que era mais profunda e mais gelada do que ele imaginava. E quando voltou à superfície ficou novamente encantado com toda a beleza que existia, da qual ele era, como sempre fora, como sempre seria, criador e criatura. Seu sonho novamente fluia através dele, e cabia a ele, como a todos os outros seres que se prezam de ser seres, apenas viver da melhor forma possível. E então ele foi até uma das pedras na borda da piscina natural, e se sentou ao lado da moça. E ali ficou, em silêncio, olhando para a pequena cascata que pulapulava de uma pedra até a outra, até desaguar na piscina. Sentia-se tão satisfeito em simplesmente estar ali que, pela primeira vez em muito tempo, não pensou e nem desejou mais nada.

Despertou do devaneio quando a jovem tocou a sua mão. Sua pele era fresca e lisa, mas macia, e parecia emanar um calor de vida que era muito gostoso ao toque. Olhou para ela, e notou que ainda sorria.

– Qual é o seu nome, moça da queda d’água?
– Ei! Eu gostei de “moçadaquedadágua”. Posso ficar com esse nome?
– Pode, mas você tem algum outro nome?
– Hoje de manhã quando eu cheguei aqui, eu mergulhei meus pés na água e comecei a pensar em como queria me chamar.
– Como assim, você não tinha um nome?
– Ora, não seja tolo. Por que a gente não pode se chamar do jeito que sentir que deve se chamar a cada momento?
– Você tem razão…

(Escrito em junho 2013. Continua…)

Tinha uma moça que morava ali naquela casa, naquela pontinha da praia. Faz um tempo. Eu não sei quando foi que ela chegou. Eu só sei que um dia eu tava ajudando meu pai a colocar a jangada da água, e ela tava lá parada olhando pro mar. Ela usava uma roupa escura, um vestido. E ela parecia que tava abraçando alguma coisa forte, mas não tinha nada. Ela só ficava lá, olhando pro mar, abraçando o vazio, inclinando a cabeça. Eu achei a moça estranha aquele dia.

Mas ela não era má não. Quer dizer, eu nunca falei com ela. Mas eu nunca vi ou ouvi que ela era má. Perguntei pro meu pai, e ele me olhou triste e falou que não era pra eu falar com a moça. Falou que eu era muito pequena pra entender, mas que era melhor eu não ir lá. Mas eu sempre ficava olhando pra ela quando eu levantava cedo pra ajudar meu pai.

Toda vez, ela tava olhando lá pro mar. Às vezes tava abraçando alguma coisa que eu não via. Eu só via ela abraçando o ar. Ela tinha uns desenhos bonitos em um braço. No braço inteiro. E às vezes ela tava só olhando pro mar. De vez em quando vinham umas andorinhas e pousavam perto dela. Acho que ela falava com as andorinhas. Eu não sei. Mas as andorinhas, quando vinham, ficavam lá com ela. E depois voavam, e ela continuava olhando para o mar.

Um dia a moça sumiu. Eu passei muitos dias sem ver ela. Só a casa vazia. E ninguém vindo olhar para o mar. E então um dia ela apareceu de novo. E todo dia eu via ela lá olhando pro mar de novo, de manhazinha.

Os filhos dos amigos do papai falavam coisas ruins dela. Não lembro o que era, mas eram ruins. Eu não entendo, porque eu nunca vi eles falando com ela. E eu nunca vi ela fazendo nada de ruim. A moça só olhava o mar.

Um dia eu insisti tanto que meu pai me levou pro mar junto com ele. Eu levantei cedo, e ajudei ele a colocar a jangada no mar. E ele me pegou e me ajudou a subir na jangada, e a gente foi pro mar. Quando olhei pra praia, a moça tava lá. E eu acho que ela tava olhando pra gente. Mas a gente já tava longe, e ela tava pequenininha na praia. Depois eu esqueci dela, porque meu pai queria que eu ajudasse ele a jogar a rede, a vigiar a rede, a puxar a rede. Eu fiquei muito feliz, mas meu pai disse que a vida no mar não é pra mulher.

Quando a gente tava voltando pra casa, eu juro que eu vi uma coisa grande nadando no mar. Ela passou rápido, quando a gente tava ainda longe da praia. Eu apontei pro meu pai, mas ele não viu. Disse que eu era uma criança e tava imaginando coisas. Eu fiquei triste, porque eu tinha mesmo visto, e eu fiquei um pouco com medo, mas eu também fiquei querendo saber o que era. Quando cheguei na praia, e depois que ajudei meu pai a levar as redes e o pescado pra dentro, eu voltei pra praia. Já tava anoitecendo. Mas eu olhei pro mar e chorei baixinho lembrando da mamãe. Meu pai não falava da mamãe, nem quando eu perguntava pra ele. Um dia ele tinha bebido com os amigos e eu perguntei, e ele só disse que ela foi embora pro mar. Meu pai ficou brabo com a pergunta, então não perguntei mais. Mas depois desse dia, sempre que eu queria falar com a mamãe, eu falava com o mar.

Será que a moça que morava naquela casa também tava falando com o mar?

Passou uns dois meses, chegou meu aniversário, passou meu aniversário, e um dia eu fui com meu pai pro mar de novo. Esse dia tava meio chuvoso, meu pai não queria me levar, mas eu pedi por favor e ele acabou me levando. O mar tava meio balançado, e meu pai falou que não tinha sido uma boa idéia me levar com ele porque falaram que tava tendo tubarão na água. Meu pai falou que um outro pescador, amigo dele, tinha sido atacado. Eu fiquei pensando como devia ser ruim ser mordida por um tubarão, e fiquei olhando pra água. Meu pai não me pediu pra ajudar ele com as redes nesse dia, porque o mar tava puxado e ele tinha medo da rede me puxar pro mar. Mas aí começou a chover e a jangada começou a balançar mais ainda. Meu pai decidiu que tava na hora de voltar, mesmo sem pescado.

Eu não lembro o que aconteceu direito. Eu acho que foi a vela que girou com o vento e bateu em mim. Eu caí na água, e ela tava gelada. Eu ouvi meu pai gritar, mas tava longe. Eu não tava vendo nada, porque tava tudo escuro lá dentro e tava muito frio. E aí eu senti que alguma coisa tinha me pegado pelas costas. Eu gritei porque achei que era o tubarão. Saiu um monte de bolhas da minha boca e eu não podia ver nada, mas a coisa que me pegou tava me puxando pra trás. Quando eu vi, eu tava virada pra beirada da jangada e eu agarrei com força na murada. Meu pai me puxou pra dentro. Tava chovendo e ele tava todo molhado também, mas eu acho que ele tava chorando, porque tava com o olho vermelho.

Quando eu olhei pra trás, lá na água, eu vi! Era a moça. Eu vi. Ela olhou pra mim com aqueles olhos grandes. Ela tava grande, e tinha um rabo de peixe. Eu vi os desenhos bonitos do corpo dela. E ela foi embora. Meu pai disse que não viu, mas eu vi!

Ela morava alí naquela casa. Mas eu nunca vi ela depois disso. E eu fico triste de nunca ter ido visitar ela.
Eu sinto falta dela.

It’s alive

Todo dia é dia para começar novos hábitos.

Estou retomando o Caderno do Cluracão hoje. Hora de me libertar do vício de comunicação rasa e fácil do Facebook e voltar a manter este blog, que é uma plataforma muito melhor — se não tão repleta de falsas facilidades — quanto a rede social do Zuca.

Leva um tempo para me reacostumar com a usabilidade ligeiramente menos dinâmica do WordPress. Mas isso é questão de tempo. Afinal, isso aqui já foi a minha segunda casa.

Abraços do Verde.

Enter the Wild Wood!

Find your healing bag

and become your own healer.

Become the weaver

of the infinite threads

of fate

and myth.

Believe in Magic!

 

Assim, como quem não quer nada, e pelos motivos que me ocorrem silenciosos, resolvi começar novamente a colecionar versões da música Round Here, do Counting Crows. Para quem não sabe, a banda de Adam Duritz costumava alterar um bocado as letras de suas músicas nas apresentações ao vivo. Round Here era uma das músicas que mais mudavam de show para show. Tanto, que por vezes era até dificil reconhecer a música, embora se você prestasse atenção haviam sempre alguns versos velhos conhecidos que estavam lá. Ainda assim, cada versão era quase uma nova música, e um testemuho do momento emocional do vocalista.

Houve um tempo que eu catalogava versões de Round Here do Counting Crows.

E agora deu vontade de começar a colecionar de novo.

E lá vamos nós…

Versão original (de estúdio)

Pinkpop 1997:

Pinkpop 2008

Versão do DVD August and Everything After (agosto 2011)

Versão Howard Stern Show

Uma versão acústica

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E segue a busca por todas as mais de 60 versões de Round Here. Criei uma playlist no meu youtube para agrupá-las, aqui.

 

Update. depois de ouvir mais de 20 versões diferentes, por fim encontrei a minha predileta — a primeira versão que ouvi, há mais de 10 anos. Fazia tanto sentido para mim naquela época…

Pinkpop 2000

Os grandes barcos afundam
nas inauditas tempestades de minha alma
que desabam tão longe da praia
que ninguém sabe delas, ou deles.

Os grandes projetos afundam e nada mais se sabe deles
no fundo do meu oceano.

Mas há sempre a esperança dos pequenos barcos
chegando na praia, carregados de histórias
e lembranças do mar.

fragmentos

“existem peças de lixo que já começaram a fazer parte da decoração. e não é assim às vezes com a vida? até o dia em que você joga fora um pouco mais do lixo, ou um pouco mais da vida.”

“guardara alí sua tesoura para nunca mais perdê-la. e nunca mais a achara.”

Na escada rolante…

E se eu encontro comigo mesmo com outro rosto em um sonho,

e me beijo e me digo para voltar a viver

e volto?

(de) novo

Apoiado por mais alguns dias na recém redescoberta segurança do velho murinho de pedra, vou redescobrindo coisas devagar, como se fosse novidade. Até a dor parece nova, e tem seu lugar. A gente dói quando tá vivo. Mortos e desacordados não sentem dor…

A luz da manhã, o gosto do pão, a cabeça novamente povoada. É tudo tão familiar quanto parece novo depois de tanto tempo.

Nota mental…

Não interessa o quão “bacana” é o que está fazendo. Se você não acredita, não vale a pena. Não importa o quanto os outros gostam do que você faz. Se você não está feliz, não vale a pena.

Só o que nos faz felizes vale a pena. E os outros que se agradem a si mesmos.